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TAPETES, TURQUIA: história de seu percurso no Ocidente

05 abr

Os tapetes turcos foram os mais valiosos de entre os têxteis orientais exportados para o Ocidente na segunda metade do século XV e início do século XVI. Em Veneza, foram ostentosamente expostos, onde constituíam uma mercadoria de reexportação bastante lucrativa e serviam como símbolo do poder mercantil da República. Estes impressionantes tapetes de lã, tecidos com o nó assimétrico clássico, eram preenchidos de padrões baseados em duas ou mais unidades geométricas, que podiam ser infinitamente repetidas. O estatuto de prestígio dos tapetes advinha de dois factores principais, como observado por Rosamund Mack: “apenas os europeus mais abastados os podiam comprar, e a provisão de tapetes na moda era limitada”. Os tapetes turcos eram mais caros do que quaisquer outras importações do mundo islâmico, e os melhores tapetes eram tão valiosos como as pinturas e esculturas que adornavam os palácios dos italianos mais ricos. Não será portanto, surpreendente, o facto das elites governantes e urbanas da Itália e de outras partes da Europa exporem os seus tapetes turcos como símbolos de estatuto, quer nas suas residências, quer nas obras de arte que encomendavam. Os pintores renascentistas atribuíram-lhes um lugar de honra ao representá-los na base do trono em quadros da Virgem com o Menino, assinalando o seu elevado estatuto e distinguindo um espaço profundamente venerado, e muitos dos reis e rainhas da Europa, bem como os seus embaixadores e outros aristocratas, eram representados com os seus tapetes favoritos, símbolos do seu prestígio, conhecimentos, riqueza e gosto.

A corte portuguesa seguia muito atentamente as tendências do comércio mediterrânico de tapetes, e as referências a tapetes do Levante e da Turquia (Turquie) reportam-se ao início do século XV. Durante a primeira metade do século XVI, e pelo menos até à década de 1540, eram os mais prestigiosos dos tapetes postos em exposição. Na descrição das bodas do casamento de D. Duarte (1515-1540), irmão de D. João III, com Isabel de Bragança em 1537, os únicos tapetes que mereceram menção especial foram as ‘alcatifas de Xio’ que cobriam o estrado. Estes tapetes recebem igualmente um lugar de destaque na descrição do encontro oficial em que se negociou o casamento da filha do rei, a Infanta Maria Manuela (1527-1545), com o Príncipe Filipe das Astúrias, futuro rei de Espanha (r. 1556-1598). Embora estas três letras sejam muitas vezes transcritas (erradamente) como ‘Pyo’ (pio), trata-se, na verdade, da ortografia coeva da ilha grega de Chios, situada ao largo da costa da Anatólia. Sabemos que muitos dos ‘tapetes de pintor’ turcos exportados para o Ocidente eram produzidos perto daquela ilha, a cerca de 300 quilómetros para o interior, na povoação de Ushak; assim, Chios seria um entreposto muito lógico para o transbordo dos tapetes para a Europa cristã.

A história do tapete turco em Portugal contrasta de várias formas com a que observamos para a Itália do Renascimento e, embora existam registos da sua presença nas colecções da Casa de Avis (r. 1385-1495) desde pelo menos o início do século XV, não existem quaisquer representações nos cem anos subsequentes. A primeira imagem remonta a 1523 e exibe, provavelmente, a cercadura de um tapete “de grande padrão de Holbein”. Este tipo de tapete conta-se entre os primeiros padrões otomanos a serem representados na arte italiana (c. 1450) e o seu aparecimento relativamente tardio na pintura portuguesa – quinze anos depois das primeiras representações de tapetes espanhóis – sublinha a grande estima dada aos produtos locais ibéricos durante o século XV. Esta situação alterou-se dramaticamente com o declínio da indústria mudéjar e com a ascensão da importância de Portugal na Europa após a viagem épica de Vasco da Gama. Os tapetes espanhóis desaparecem das pinturas portuguesas no segundo quartel do século XVI e são substituídos por importações turcas. O surgimento destes tapetes “de pintor” – “Holbeins de pequeno padrão”, “Lottos” e “Bellinis” – coincide com o auge da sua representação na arte italiana, o que atesta a velocidade das ligações comerciais entre Portugal e Veneza e a atenção com que os artistas portugueses e os seus mecenas acompanhavam as modas coevas de tapetes.

Bibliografia:
HALLETT, Jessica, “Tapetes orientais e ocidentais: intercâmbios peninsulares no século XVI”, in O Largo Tempo do Renascimento: Arte, Propaganda e Poder, Vítor Serrão (coord.), Lisboa, Caleidoscópio, 2008, pp. 225-257. HALLETT, Jessica e PEREIRA, Teresa Pacheco (coords.), O Tapete Oriental em Portugal, tapete e pintura séculos XV-XVIII, Museu Nacional de Arte Antiga/Instituto dos Museus e da Conservação, catálogo de exposição, 2007. HALLETT, Jessica, “From Floor to Wall: An oriental carpet in a Portuguese mural painting of The Annunciation”, in Out of the Stream: Studies in Medieval and Renaissance Mural Painting, Luís Urbano Afonso e Vítor Serrão (coords.), Newcastle, Cambridge Scholars Publishing, 2007, pp. 141-165. MACK, Rosamond E., Bazaar to Piazza, Islamic trade and Italian art, 1300-1600, Londres, University of California Press, 2002. MILLS, John, “Eastern Mediterranean Carpets in Western Paintings”, Hali, 4.1, 1981, pp. 53-55. MILLS, John, “Near Eastern Carpets in Italian Paintings”, Oriental Carpet and Textile Studies, vol. 2, 1986, pp. 109-121.

Autor: Jessica Hallett

 
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Publicado por em abril 5, 2010 em Uncategorized

 

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